29.10.08

Do tempo

Duas postagens quase simultâneas... Não é fantástico, Funes? Chego a pensar se não te dividiste em dois, como se diante do espelho deleuzeano. Ou, quem sabe, o que é bem mais provável, em três.

Contemporâneo? Pós-Moderno? Que raios é essa condição nossa...?


"O fechamento da representação, que repercute na crítica do sujeito, e de tudo que decorre daí, é o tema recorrente do trabalho moderno. No entanto, aquilo que as designações pós-moderno e contemporâneo recobrem ainda implicam a reativação dos dispositivos e referências modernas, não, contudo, a sua restauração. Então, nesta situação, em que o funcionamento dos elementos constitutivos da modernidade cultural - o indivíduo, o mercado, a tecnociência - foram radicalizados, hiperconcentrados, como é possível produzir dissonâncias, resistências, intervenções, ao estado das coisas? Pois "a cena contemporânea" é sintomática: paradoxalmente, combina a supressão de limites com a demanda por normas, a funcionalidade exacerbada e comportamentos mágicos, a diversidade e a busca por identidades. Isto ainda configura uma "derradeira possibilidade, senão de uma representação, pelo menos de uma dramaturgia simbólica" .
Finalmente. O que se está tentando configurar aqui, é uma espécie de "investigação", algo em curso, sugerido como uma abertura a outras posições, enunciadas nesta enunciação claudicante. Rigorosamente falando, aqui não se determina um conhecimento; ao contrário, decepciona-se exigência de conhecimento. Aqui comparecem restos de um esforço de conhecimento. Mas estes restos são motivados e mobilizados por necessidades e paixões; por isso surgem como acontecimento. Avançamos por tentativas, empurrados por um encadeamento aberto, em que o já pensado volta como impensado, sob o estímulo de alguma singularidade que se manifesta fortuitamente. Pois os pensamentos, diz Lyotard, são nuvens."

FAVARETTO, C. F. . 'Entre o Moderno e o Contemporâneo.' Tempo & Memória, São Paulo, v. 4, p. 49-66, 2005.

Palestra pra lá de afetuosa, no sentido deleuzeano...
A quem interessar, vale ler o texto completo, disponível em:

http://cursos.unisanta.br/artes/artigos/beatriz/artbeatriz6.htm

O fabricante de si mesmo

É melhor sermos claros desde o início: quem hoje lhes fala é um homem, um de vocês. Sou diferente de vocês, seres vivos, apenas em um ponto: tenho uma memória melhor que a de vocês. Vocês esquecem quase tudo. Eu sei, há quem sustente que nada de fato se cancela, que todo conhecimento, cada sensação, cada folha de cada árvore entre tantas que foram vistas desde a infância jazem em vocês e podem ser evocadas em situações excepcionais, em seguida a um trauma, a uma doença mental, talvez até em sonho. Mas que lembranças são essas que não obedecem ao seu chamado? Para que servem?
Esse é o início de um conto chamado O fabricante de si mesmo, de Primo Levi, que reproduz o diário de um homem que, assim como Funes, não se esquece de nada ou, pelo menos, que sempre é capaz de se lembrar daquilo que deseja. A tradução é de Maurício Santana Dias e, assim como o texto do Pirandello, Os aposentados da memória, faz parte da coleção de contos publicada pela Companhia das Letras.